terça-feira, 4 de julho de 2017

Conversas de Mil Histórias | Sandra Barão Nobre



Jardim de Mil Histórias - A Sandra tem um blogue “O Acordo Fotográfico” que liga duas das suas paixões: os livros e a fotografia. Como surgiu este blogue?


Sandra Barão Nobre - A ideia surgiu em Lisboa, em Agosto de 2010, num fim-de-semana que lá passei quando estava a aprender os rudimentos da fotografia. Num desses dias fotografei ao longe uma mulher a ler e ocorreu-me que seria interessante perguntar-lhe o que lia e depois escrever sobre isso. Partilhei a ideia com uma pessoa em meados de 2011 e fiz as primeiras fotos em Agosto de 2011. O Acordo Fotográfico só arrancou em Dezembro desse ano. Entre a ideia e a concretização passou-se um ano e meio. Porque me surgiu a ideia? Julgo que foi porque andava entediada com a minha vida profissional e precisava urgentemente de fazer algo que abanasse um pouco a rotina e a minha postura comodista, na qual não me revia de todo! Aprendi que o tédio, quando bem canalizado, pode estar na base da criatividade e da reinvenção.


J. M. H. - Neste blogue fotografa pessoas a ler, pelo mundo inteiro. Houve alguém que fotografasse que a tivesse marcado de alguma forma?
S. B. N. - Ao fim de 450 posts começa a ser difícil escolher... Tenho conhecido pessoas maravilhosas, com histórias de vida incríveis e generosidade suficiente para partilhá-las com milhares de estranhos. Gosto muito do texto que escrevi a propósito do meu encontro com a Maryam, no Irão, em Abril passado. Gosto muito, também, da história da Dora, que fotografei em Madrid, em 2013. E do post sobre o Winnie e ou Touy, que conheci no Laos, em 2014.


S.B.N. -  Qual o país que mais a marcou?
É uma escolha difícil porque todos os países que visitei estavam na minha lista de desejos por concretizar um dia. Visitar o Brasil pela enésima vez foi emocionante. Adorei Sydney, Timor-Leste foi incrível, Zanzibar é tão lindo que custa a crer que seja real, a África do Sul é belíssima, São Tomé e Príncipe não me sai da cabeça e o Irão está a transformar-se num vício. Talvez possa dizer que o Vietname me marcou particularmente porque não estava à espera de gostar tanto. Foi uma paixão ensolapada que me apanhou desprevenida e que ainda não processei racionalmente. E o Irão, também, por causa dos sentimentos mistos que me suscita: a sofisticada e refinada cultura persa vs. o fundamentalismo islâmico; o povo mais acolhedor do mundo vs. a vida sem democracia...
Sandra Barão Nobre


J. M. H. - A Sandra tem um projecto de terapia através dos livros: “A Biblioterapeuta”. Fale-nos um pouco desse projecto.
S. B. N. - Cruzei-me com o conceito de Biblioterapia em 2012/2013. Não sabia que a palavra existia, mas entendi imediatamente o significado que encerrava. Havia anos que procurava ajuda nos livros e que aconselhava livros a familiares, amigos e clientes (porque fui livreira durante 12 anos) com base no seu potencial terapêutico e transformador. Parti para a volta ao mundo, em 2014, com a Biblioterapia na cabeça e quando, em 2015, decidi mudar de vida vi nela a possibilidade de um novo caminho profissional. Obtive primeiro um certificado internacional de Coaching Practitioner e posteriormente apliquei a metodologia do Coaching à Biblioterapia que exerço. Lancei o serviço em Maio de 2016, há um ano, e estou satisfeita com a forma como tem progredido.


J. M. H. - Portanto acredita no poder curativo dos livros. Descreva uma situação em que sentiu que os livros a ajudaram.
S. B. N. - Já sentia a necessidade de me reinventar profissionalmente ainda antes de pedir a licença sem vencimento e partir para a grande viagem de seis meses à volta do mundo. Entre 2013 e 2015, já depois do regresso à vida dita “normal”, houve um punhado de livros que me ajudou a tomar a decisão de mudar de vida, de ser fiel aos meus valores de uma vez por todas e perseguir os meus sonhos, apesar dos evidentes sacrifícios que seriam necessários. Foram eles: “Um longo caminho para a liberdade”, de Nelson Mandela; “Como encontrar o trabalho perfeito”, de Roman Krznaric; “O elemento”, de Ken Robinson e “Projectar a felicidade”, de Paul Dolan. O clássico “Inteligência Emocional”, de Daniel Golan, foi lido muitos anos antes, mas também foi fundamental porque me deu ferramentas para a vida.


J. M. H. - Que tipo de trabalho faz a Biblioterapeuta?
S. B. N. - A Biblioterapia que exerço — quer com clientes individuais, quer em contexto corporativo — trabalha em prol de uma mudança para melhor. Procuro conhecer o melhor possível a pessoa ou instituição que procura os meus serviços, investigo e apresento a lista de títulos a ler, providencio algumas orientações para essas leituras e depois, no decorrer das sessões seguintes, trabalhamos sobre as aprendizagens e descobertas feitas e vemos de que forma podem ser aplicadas na vida do dia a dia,  através do estabelecimento de um plano de acção, para potenciar uma transformação positiva. Aqui, gostaria de salientar que o grau de compromisso dos clientes é fundamental para que o método funcione.


J. M. H. - O que a mais fascina neste novo desafio profissional?
S. B. N. - A aprendizagem constante e a noção de que estou a ajudar os outros.


Para mais informações sobre o livro
J. M. H. - Lançou recentemente um livro Uma Volta ao Mundo com Leitores. Como surgiu esta oportunidade? Sempre foi um desejo seu?
S. B. N. - Quando regressei da volta ao mundo, em 2014, achei que poderia ter material para
publicar um livro sobre a experiência enquanto viajante e autora do Acordo Fotográfico. Contactei duas editoras: uma disse-me que o projecto, tal e qual e o concebera, não era comercialmente viável; a outra nunca me respondeu. Passaram-se uns meses sem que pensasse nisso, mas a verdade é que quando fui para Cabo Verde trabalhar, em 2015, levei comigo tudo o que tinha escrito durante a grande viagem e ocupei as minhas horas livres a organizar os textos e a passar os diários a limpo. O livro ficou praticamente terminado nessa altura. Depois fechei-o na gaveta. Até ao dia 27 de Dezembro de 2016, quando chegou por e-mail o convite da Relógio d’ Água.


J. M. H. - Enquanto leitora que livros gosta de ler? E do que não gosta de ler?
S. B. N. - Dei-me conta recentemente que não leio livros de política, economia, gestão... Gosto muito de ler romances e foi o género literário que mais consumi até há uns dois ou três anos. Mas agora estou a ler muito mais ensaios filosóficos, históricos, obras da área das ciências sociais. Dos dez livros que li este ano, apenas três eram de ficção.


J. M. H. - Que projectos tem para um futuro próximo?
S. B. N. - Tenho uma série de projectos de Biblioterapia importantes a arrancar e para os quais tenho grandes objectivos. Não me posso adiantar muito ainda, mas julgo que terão, a longo prazo, um impacto social significativo. Vou continuar a escrever para o Acordo Fotográfico, claro, e espero que as viagens sejam uma importante fonte de inspiração. Em Outubro parto para Myanmar para mais uma viagem Magellan Route organizada por mim. Se alguém se quiser juntar ao grupo é só entrar em contacto comigo: ainda há vagas. Em 2018 voltarei ao Irão. De forma mais imediata, estou agora a investir na promoção do meu livro “Uma Volta ao Mundo com Leitores”.


J. M. H. - Qual o livro da sua vida?
S. B. N. - Esta é aquela pergunta que me faz provar do meu próprio veneno, porque também eu a coloco muitas vezes aos leitores que fotografo e é raro alguém saber responder com convicção. Pois bem, é muito difícil escolher apenas um livro, mas posso apontar “Os Maias”, do Eça de Queirós, como o romance que me ajudou a fazer a transição da Literatura juvenil para a Literatura dos adultos e para a grande Literatura. Devo-lhe muito como leitora, formou-me e tornou-me exigente. Depois, mais recentemente, “Servidão Humana”, de Somerset Maugham e “Memórias de Adriano”, de Marguerite Yourcenar, um livro colossal que tem toda a Humanidade lá dentro. Estou constantemente a pegar nele para reler um parágrafo ou outro.

Sandra, muito obrigada por esta entrevista.



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